Venezianas, de Betânia Noll

Venezianas, de Betânia Noll

Senta-se sempre em frente à veneziana de madeira fechada. Cheirando e ouvindo. Às vezes murmura: “bergamotas” quando é tempo de floração, “picolé” quando o apito vem se aproximando da casa, e ri quando os pedaços de conversa pescados pela janela vão se sobrepondo e criando histórias absurdas. Murmura pra ele mesmo, pra ninguém.
Se alguém pergunta, não responde.
Se alguém ensaia algum movimento em direção à janela, se levanta.


Seu riso mudou, agora está instalado entre os pulmões, um pouco acima do coração.
Começa e termina ali, em uma única expiração.


Seus passos então menores e quase não tem mais medos.


Bebe quando tem sede e come quando tem fome.


Come bergamotas na época de bergamotas.


Seca lágrimas com o antebraço direito.


Não se preocupa com as chuvas.


Sabe quando ligar.


Sonha com uma cidade de ruas de pedra que nunca visitou e acorda assustado quando percebe que não sabe o caminho pra casa.


As plantas se multiplicam no interior e no exterior da casa.


As primeiras pelo cuidado intenso e as últimas pelo abandono total.

 

Betânia Noll é escritora, autora do livro Aqui onde passa um rio (Poesia, Ed. Libertinagem 2022).

Voltar para o blog

Deixe um comentário