por Vilma Ribeiro
Estou há alguns dias na tentativa de elaborar o que significou para mim a participação na minha primeira FLIP. Em uma entrevista para o documentário que a escritora e jornalista Melissa Nasser estava realizando sobre o coletivo Escreviventes e a publicação independente das mulheres, eu me vi diante de uma pergunta: “o que está significando a FLIP para você?”
Sem pensar, deixei brotar a palavra “encontro”. Era encontro com os livros, com as parceiras que até então eram janelinhas no google meet, comigo mesma, com a menina que sonhou ir à FLIP, com os escritores que jamais imaginei ouvir presencialmente e abraçar. Era ter ao meu lado as pessoas que escreveram cada linha dos livros que li e ouvi-los.
Eles desceram do Olimpo e caminhavam pelas ruas de Paraty como meros mortais, distribuindo sorrisos, abraços e lógico tirando muitas selfies.
E, por fim, encontro com desconhecidos. Nas filas de autógrafos, nos esbarrões, na procura por um banheiro, nos cafés e nos bares. Sorríamos para parceiros que não sabíamos o nome, era quase místico, um portal se abriu e éramos uma irmandade, unidos em torno da literatura, do objeto livro, tão combatido e menosprezado pelo governante máximo da nação nos últimos anos.
O clima do lugar me lembrou das leituras da minha infância e adolescência, quando eu levava uma vela para o quarto para terminar um romance e lia à meia luz. Só recentemente elaborei o porquê o livro era uma companhia tão importante para mim. Compreendi que ele era um portal pelo qual eu podia ir além do lugar em que vivíamos. Uma iminência de acesso ou possibilidade a algo superior.
Atravessar um portal é encontrar um mundo inventado, o livro por muito tempo foi esse lugar possível, uma estratégia para fugir da precariedade de pertencer a uma família que chegou em São Paulo na década de 70 e se instalou com seus oito membros em um cômodo de madeira de quatro por quatro.
Não conto isso para me vitimizar, gosto de me lembrar, de saber e de me apropriar das minhas origens, pois o que sou hoje é em grande parte por causa dessa trajetória, porém, minha mente de menina sonhava com outras possibilidades e foi o livro que abriu caminhos de sonhos e de viver outras vidas.
Ele sempre foi um portal, um além, sempre foi meu modo de inventar um mundo possível. As pessoas do livro inventaram a FLIP, um portal que se abre há vinte anos como resistência, essa edição, com um sabor especial de retomada presencial e um gosto de vermelho chamado democracia.
Vilma Ribeiro tem 54 anos e mora em São Paulo. Alagoana de nascimento e de coração. É pedagoga, psicóloga clínica, especialista em Literatura para a infância e escritora. Atua como pesquisadora no grupo Filosofia e Espiritualidade em Saúde da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo). É autora dos livros Nós quatro eu e ela nós sem ela (2019) e ,o dia em que não morri (2022), lançados de forma independente.
2 comentários
Sempre é bom ler a sua escrita: afeto_vivo_transbordante ver a sua história transformada em literatura. Seguimos: você escrevendo e eu, apaixonadamente, lendo! O eterno gerúndio da vida ou dá vida, como vc quiser.
Vilma, li rápido p não cair em lágrimas durante a leitura, para relembrar que estava lá na Flip também, para sentir o quantoo Livro é importante p mim também, para voltar ao tempo em que o livro foi a minha salvação! Ou lia ou morria em vida!