Quando eu tinha quinze, era a Tereza da praia de Chico. Vamos na festa na casa do poeta? Eu fui. Lembro a rua: Barão da Torre. Ipanema era a Ursa Maior para mim, que saía do Irajá pra pegar sol.
O dono da casa já era velho, velho como meu pai era velho, que tinha trinta e cinco. Parece que alguém tinha batido na cara dele com uma frigideira quente, mas mesmo assim todas as meninas da festa estavam rendendo pra ele. Talvez pelos violões, os banquinhos, os calções de banho, os sobrenomes, sempre duplos. O vai e vem do mar concede de tudo aos que moram perto da areia, aos que fazem poesia para Iemanjá de cabelos lisos e vestido de seda pura, cor azul.
Quando atravessei o portãozinho de madeira sabia que estava contrariando a ordem do meu pai de não deixar playboy nenhum me tomar por promessa de nada. Porque eu era bonita, mas pobre, filha de pobre, filha do porteiro, não se esqueça. Você é da praia, Tereza, mas a praia não é de você. Essa é uma nota amarga: a praia também tem dono.
O que sei hoje, não sabia quando desejei me enturmar. Quer fumar um baseadinho? Fumei. Isso aqui é o brilho, cheira. Funguei. As moças com o corte de cabelo da Nara, todas de alfaiataria com copos de uísque, remedei. Vi a tarde caindo, o turno do meu pai acabando, eu sem saber voltar para ele. Procurei um rapaz para me ajudar, Vai acabar o turno de vigia, tropiquei. Preciso ir para o trabalho do meu pai, golfei, posso ter golfado.
A Filha do porteiro tá na mão do palhaço.
Sou a filha do porteiro, palhaço, não me machuque.
Filha do porteiro é pra bagunçar.
Confiei no moço errado para dizer que precisava chegar na Vieira Souto até às quatro. Já são oito, relaxa. Preciso encontrar meu pai para voltar para minha praia. Sou a Tereza do Irajá.
Quando abri o olho vi quatro rostos colados na altura da minha virilha. Um deles me dedilhava comentando de como eram parcos os pelos da minha Terezinha. Me tocavam como se fosse bossa.
Que broto! Que brotinho. Ela está acordando. A Tereza que ninguém vai reclamar. Não me penetraram, acho que não fizeram, eu não lembro.
“Então vamos a Tereza na praia deixar,
aos beijos do sol e abraços do mar.
Tereza é da praia, não é de ninguém,
Não pode ser tua,
nem tua também”
Quando me encontraram estava de bruços, inchada, arroxeada, indo e voltando nas marolinhas do Posto Oito. O mar estava calmo e me abraçava, bem que o Chico falou. Não foi culpa do mar e os garotos aqui são sempre inocentes, a culpa era minha, Tereza, a menina.
E morreu de quê?
Morri de não ser daqui.
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SOBRE A AUTORA
JEOVANNA VIEIRA nasceu no Espírito Santo, em 1985. Formada em Jornalismo, cursou também especialização em Jornalismo Cultural na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Gastronomia no Instituto Alain Ducasse - Estácio de Sá. Em 2021, publicou seu primeiro romance, Virgínia Mordida, 2º lugar no Prêmio Kindle de Literatura neste mesmo ano. Virgínia Mordida será lançado em 2024 pela Companhia das Letras.
7 comentários
Sempre um encanto ler Jeovanna. Provoca-nos de um jeito preciso. Expõe, denuncia e coloca-nos ante ao choque de tudo que a vida tem de trágico nas perdas das inocências.
E assim fomos todos levados pela sua escrita incrível… já desejando seu livro!
A escrita única de Jeovanna sempre me surpreende, desnorteia, me encanta
Que texto, estou sem palavras.
Nada que Jeovanna escreve é possível de ler sem ser num gole só. É violenta a beleza que ela imprime nas palavras.