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Segue o jogo

Por Cláudia Ricci

Ele não tirou os olhos da TV. Ameaçou um sorriso e manteve o cotovelo direito apoiado no braço do sofá. A mão esquerda, acostumada a fazer tudo desde que se lembrava, apertou o botão do controle remoto e o narrador gritou.

Ela também gritou, cantando algo sobre cocoricó da porta da entrada até o corredor, indo e voltando, equilibrando no ombro uma sacola disforme, na mão direita a escova de cabelos e na esquerda um balde azul que balançava água pela metade, enquanto os chinelos pulavam de seus pés e se acomodavam um em cada canto do tapete.

Ajoelhou na almofada mais alta e ajeitou o balde entre o encosto do sofá e a parede. Tirou da sacola três bonecas, que sentaram ao lado do balde para assistir ao jogo com ele.

Enquanto esperavam o gol ela molhava a escova na água do balde e penteava seus cabelos.

Primeiro a boneca de cabelos encaracolados, depois a de cabelos de lã, em seguida a que só tinha alguns fios no topo da cabeça, e por último ele, que também tinha poucos fios, muito brancos, mais caídos para os lados, perto das orelhas grandes.

Quando a água escorria para o pescoço a mão esquerda enxugava.

Quando sentiam ameaça de gol inclinavam para frente e voltavam, ele a encostar e ela a pentear.

Encerrado o tempo, ela guardou as bonecas molhadas na sacola, mergulhou a escova no balde vazio, desceu do sofá, calçou os chinelos e lá da porta acenou, soprando um beijo na palma da mão.

 

*Cláudia Ricci nasceu em 1967, em São Paulo. É esposa e mãe. Trabalhou durante 30 anos como professora de surdos e ao se aposentar assumiu a escrita, o bordado, a narração de histórias, o fazer bonecas de pano, o estudar e toda forma de aprender por prazer. Traz nas mãos os fios, os tecidos, as palavras que tecem a vida pequena, miúda, que acontece no dia a dia.
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