por Cintia Brasileiro
Fechei as sandálias de salto alto, escolhi um batom vermelho para realçar a esperança que pulsava em meus olhos e saí. Resolvi ir caminhando para poder apreciar as pessoas pela rua. Mal havia me afastado de casa e um senhor, que tinha idade para ser meu pai, começou a assobiar. Rolaram algumas palavras indignas entre nós. Eu não estava no clima e ele me mostrou o dedo do meio. Acabei me lembrando de um outro senhor, um que mora em Brasília e que pintou o terror desde que assumiu a presidência do nosso país. O semáforo abriu para os pedestres, apertei o passo e entrei na escola. Dessa vez a fila não estava tão grande. No início de outubro, eu tinha ficado mais de uma hora na fila, mas dessa, permaneci apenas alguns minutos. Um silêncio constrangedor reinou pelos corredores do colégio no primeiro turno. Muitos evitaram se olhar. A maioria abriu a boca para reclamar do tamanho das filas, da demora, do calor, mas durante quase quatro anos não foram capazes de rezingar sobre o Messias que nunca deveria ter sido representante do povo – e Deus sabe os porquês. Muitos idosos passaram por mim, tiveram a preferência para votar e Dona Maria foi a última delas. Ela chegou meio ofegante, com os pés um pouco inchados e me pediu desculpas porque ela teria que furar a fila. Eu respondi que tinha planos de fazer o mesmo quando chegasse à idade dela. Rimos eu, ela e a fiscal da sessão. Dona Maria me ofereceu um minuto meigo, o único e verdadeiro que recebi naquela fila. Não era dia de jogo, mas muitos desfilaram camisas da seleção. Eu fui pedindo paz. Dona Maria ainda teve tempo de me contar que era viúva, que tinha oitenta anos e que nunca havia deixado de votar. Ela me pediu desculpas mais uma vez e entrou confiante na sessão 129A com seu cabelo escovado, passos experientes e blusa vermelha. Na volta, quando passou pela porta, ela tocou minha mão e me disse toda serelepe, “filha, eu fiz minha parte”. No dia 30, fui de blusa vermelha e sorriso aberto. Nem mesmo o amarelado e inconveniente machismo foi capaz de me tirar essa alegria. Votei no L de livramento, apertei o botão verde com gosto, usei toda a minha consciência e o meu dedo indicador. Também fiz minha parte, dona Maria.
Cintia Brasileiro é mineira, mas reside em Araçatuba, SP, há 15 anos. É escritora, redatora publicitária e mediadora de leitura do Clube do Livro On-line Escritoras Brasileiras. É autora de Versinhos Doces (2021), lançado de forma independente.