Mais cedo ou mais tarde, de Virgínia Filgueiras

Mais cedo ou mais tarde, de Virgínia Filgueiras

Há três certezas inquestionáveis nesta vida. A primeira se refere à iniludível, à indesejada, como diz Bandeira em sua “Consoada”. Independentemente de nossa cor, gênero, credo, estado civil, time de futebol, conta bancária, partido político, realizaremos, de uma forma ou de outra, nossa passagem para outro plano, fazendo jus à nossa condição de seres mortais.

Igualmente óbvia, a segunda diz respeito ao pagamento dos nossos indesejáveis boletos mensais. Faça sol ou faça chuva, eles chegam. Seja pelas mãos dos carteiros, dos porteiros, pelo corpo de um pombo-correio, pela internet ou por outros meios, eles fazem parte da nossa rotina. E intimidade. Circulam pelas bolsas, agendas, baús, smartphones, iPhones, gavetas de todos nós, adultos. Talvez a única vantagem dos boletos seja a lição motivacional: vencer, sempre vencer, não importando o valor de cada um!

A terceira certeza, não menos angustiante, é a falta periódica de assunto na vida do cronista, sobretudo daqueles que precisam cumprir prazos. Nada, nada se compara à falta do que escrever diante de um espaço em branco. É imbróglio e é mal-estar com o passar do tempo, com o correr do relógio,  sem uma luz sequer no fim da linha. Se falta inspiração, sobra transpiração! Encarando um papel ou uma tela em branco, certamente, já estiveram  Carlos e Roberto Drummond,  Sabino, Scliar, Veríssimo, os Pratas, os novatos do século XXI. Aposto que o dia do papel em branco chegou até para o Rubem Braga. 

Como assim, gente? Não é a crônica o gênero leve, direto, com a fluência do cotidiano? Então! É só ver  um alegre canário-da-terra numa árvore e pronto! Basta receber o sorriso de um ser humano num dia de sol que dá o clic! Ou acessar o noticiário e ver que não foi decidido o cessar-fogo em zonas de conflito. A questão climática é um debate urgente. A depressão, um dos piores problemas da atualidade. Etc.

Quem dera fosse assim! O gênero amado por muitos leitores - e negligenciado por outros - guarda uma complexidade invisível. Como dizem,  difícil é escrever fácil.  É suor para o cronista e deleite para o leitor.  O conceito da simplicidade como o cúmulo da sofisticação (ideia de Leonardo da Vinci, salvo engano) pode muito bem ser aplicado à considerada “literatura menor”.

“Dura ou caroável”, uma vantagem, um sortilégio, da falta de assunto é a coleção de metacrônicas e da possibilidade de exercícios de metalinguagem que se deixa, por aí, para os anais da Literatura dos mortais e dos imortais.  É uma limonada do limão!

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SOBRE A AUTORA

Virgínia Filgueiras é graduada em Letras e Jornalismo pela UFJF, com especialização em LP-Redação pela PUC-MG, mestrado em Estudos Linguísticos pela UFMG e doutorado em Estudos Literários pela UFF. É professora titular aposentada (EBTT) do CEFET-MG Unidade Leopoldina.

 

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