Expectativa e compromisso, de Monique Bonomini

Expectativa e compromisso, de Monique Bonomini

Eu aceito o desafio e me comprometo a escrever. Escrever diariamente, escrever o que vai na alma, escrever o que me incomoda, escrever o que eu vejo, mas gostaria de não ver, escrever o que penso e dar asas à imaginação, escrever para aliviar, escrever até doer.

Me comprometo a não deixar o papel em branco, a depositar nele tudo que me inquieta, todas as emoções que me tomam, todo sofrimento que me consome, toda indignação que me transborda, tudo o que eu acredito, mas não cumpro, toda hipocrisia que eu vejo e que cometo.

Neste momento assumo um compromisso, o de tornar público, de deixar vir à tona, de expor o que vai em mim, que toma minha mente, torna, por vezes insones as minhas noites, que me desconforta e incomoda e que hão de se transmutar em palavras, por força do que por ora pactuo. 

Há tempos, venho me engasgando de coisas que não digo, de projetos que não executo e de ideias que reprimo. Este trato, que doravante firmo, é para que eu já não sufoque com os caracteres que tomam conta de mim, que antes escorriam para os meus dedos, mas que de tanto escorregar e não cair fizeram uma fila que me chega na garganta. Que ganhem o mundo então as minhas as sentenças, as frases que construo, expressões de que me aproprio e citações que teimam em brotar das aspas que insiro. Este compromisso é urgente, e eu o assumo. 

Neste ajuste, espero retomar um hábito adormecido há algum tempo, mas que começa a se revirar, dando sinais de que acorda. Neste processo, certamente enfrentarei alguma dor e frustração, mas já não tem sido assim com tudo em minha vida? Quero me soltar das amarras, deitar no papel aquilo que já não se apazigua dentro de mim, porque não quer ser só meu, mas também de outros olhos que devorem e mentes que absorvam, porque a minha mesmo já parece um tanto encharcada.

Ao criar um texto com o que está rondando e assombrando meus instantes de devaneio e sonho, espero dar vida às histórias que me ocorrem, compilar memórias e mais memórias que venho acumulando e que, talvez por isso mesmo, estejam impedindo que outras se fixem.

O que eu quero é ter o poder de pôr um ponto final em situações limites, grafar exclamação e reticências para as minhas surpresas, deixar ponto e vírgula à espera da continuação, que justifique ou não a ideia anterior. 

Persigo a liberdade, nem que seja entre quatro margens, iniciada em parágrafo e concluída num ponto final ou quem sabe numa interrogação? Quero criar meu próprio fundo, depositar meus pensamentos, poupar a minha mente, que de tanto reter já pede por expansão. Espero encontrar no papel consolo, abrigo, amigo, vou enchê-lo de ilusão.

Em 03/02/2021, eu estava há um ano cumprindo o isolamento social, me acompanhavam duas crianças, uma de nove anos e outra recém-chegada ao mundo, além de um marido. À minha volta muito negacionismo, um cenário político desolador e uma dúvida gigante: e o amanhã? A leitura já não dava conta da ansiedade, foi quando recebi um convite para participar de uma jornada de escrita diária, por trinta dias. 

O primeiro exercício consistia em descrever as expectativas para essa jornada e assumir o compromisso de escrever abertamente, algo inédito para mim e que deixou enciumada a gaveta da minha escrivaninha, mas que bom que eu aceitei o convite. Desde então, não parei mais.

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SOBRE A AUTORA

Monique Bonomini, São Paulo/SP, é revisora e escritora. No Spotify apresenta o podcast, Abismos para evitar ruínas. É revisora fixa da Revista Contos de Samsara. Integra os coletivos de escrita Escreviventes e Ruído Rosa. Tem textos publicados em coletâneas, revistas literárias e portais. Sua produção pode ser encontrada em linktr.ee/moniquebonomini e no Instagram em @moniquebonomini.

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