árido, poema de Yara Fers

árido, poema de Yara Fers

 

na duna do peito

os brônquios aspiram uma escrita áspera

engulo o gosto seco de uma palavra-angostura

que não desce o esôfago

sente o estio do suco gástrico

a areia da ampulheta arranha as paredes do estômago

desce o digestivo sistema em contagem regressiva

forma um verso-úlcera


o corpo na areia movediça busca o poema-oásis

costura uma prece necessária

na aspereza da sílaba-súplica

sorve a última saliva onde a síntese se perde

(a memória em falhas sinápticas

desencontra a chave do poema nesses saaras

não sei onde deixei aquela sinestesia fresca

a hipérbole úmida

a metáfora água

onde estão meus dromedários?

as chaves das chuvas?)

apenas deserto: soluço seco repetido

falta-me a lágrima que saiba dizer isto


às vezes uma gota me encontra

sinto esta flor ferrugem cactácea

insistente penugem quase alaranjada


:um poema miragem

 
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SOBRE A AUTORA
Yara Fers publicou os livros de poemas Sádica sílaba; Desmecanismos; Haicactos e mandacarus; Meio magma, meio magnólia; e o romance Anatomia de um quase corpo. Ministra cursos e oficinas de escrita, é editora de comunicação do portal Fazia Poesia e fundadora da Editora Arpillera, de livros artesanais. Foi reconhecida em vários concursos, entre eles o 1° lugar no Prêmio Book Brasil e o 3° lugar no Prêmio Off Flip 2022.
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