árido, poema de Yara Fers
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na duna do peito
os brônquios aspiram uma escrita áspera
engulo o gosto seco de uma palavra-angostura
que não desce o esôfago
sente o estio do suco gástrico
a areia da ampulheta arranha as paredes do estômago
desce o digestivo sistema em contagem regressiva
forma um verso-úlcera
o corpo na areia movediça busca o poema-oásis
costura uma prece necessária
na aspereza da sílaba-súplica
sorve a última saliva onde a síntese se perde
(a memória em falhas sinápticas
desencontra a chave do poema nesses saaras
não sei onde deixei aquela sinestesia fresca
a hipérbole úmida
a metáfora água
onde estão meus dromedários?
as chaves das chuvas?)
apenas deserto: soluço seco repetido
falta-me a lágrima que saiba dizer isto
às vezes uma gota me encontra
sinto esta flor ferrugem cactácea
insistente penugem quase alaranjada
:um poema miragem