Escrever é um trabalho.
Mas o que é bom em escrever é essa liberdade de federações e coordenadas de como ser livre de verdade.
Mas também – e aí é que está tudo – não é como se você conseguisse ir a qualquer lugar.
Ser completamente livre te mostra
o quanto
de livre
você consegue ser agora.
Como um bicho, enjaulado de um resgate, no dia em que lhe devolverão a sua liberdade amazônica.
E então abrem as grades – está completamente livre – mas ele hesita em sair.
Existe algo em nós, ou algo do mundo em nós que nos faz ficar demorados demais dentro da
jaula, mesmo que as grades estejam completamente abertas e a liberdade amazônica dos
bichos, que é a mesma que a nossa, esteja inteira à nossa espera. Livre.
O que é isso do mundo em nós?
Como uma jaula dentro do bicho dentro da jaula, um pudor tão invisível quanto
mesquinho,
que nos foi dedicado por uma vida inteira, vive bem sua aposentadoria quando o estado de
jaula se torna natural e seus trabalhos são dispensados.
Pudor invisível e mesquinho tão dedicado a enjaular nosso estado de bicho.
À ferro e fogo. Ao menos no início.
Então, é com grande alegria e com grande pesar que imagino,
não nos basta ter a liberdade em mãos se são as mãos que precisam estar livres.
Anna Lúcia é uma mulher cis que nasceu há 22 anos numa cidadezinha fascistóide no sul do Brasil, está escrevendo seu livro de estreia Tapetes São Cidades de Dançar (ainda sem editora) enquanto desbrava a vida de São Paulo. Foi na formação em Educação que esbarrou em teorias como o Sensível Olhar Pensante e o currículo decolonial, passando a ver seus
rascunhos de ônibus e gavetas como registros de mundo no mundo. Tudo se trata de olhar.